Domingo, 5 de Dezembro de 2010
FLAGRANTES DA VIDA REAL
Por volta de 1960, quando as “eléctricas” estavam a principiar com os estudos para a Barragem de Vilarinho das Furnas, com a avaliação dos terrenos que se iriam afogar naquele grande lago artificial, para as indemnizações a conceder aos proprietários das parcelas respectivas, logo os construtores civis viram ali uma fonte de onde poderiam extrair a “massa” para os seus empreendimentos, tanto em Braga como em outras zonas e foi logo um correr para a mina que iriam explorar.
Nesses anos estava até certo ponto ligado a alguns empreiteiros. Era o princípio de uma era de ouro para as construções mas, como ainda estavam a principiar, teriam que arranjar um “palonço”, com carro que os levasse até à serra, dado que, carro era ainda um sonho para eles.
Assim um deles pediu-me, num certo domingo de Inverno, com a conversa de um belo passeio, o levar até Vilarinho. Arrancamos no fim de um almoço, isco para a passeata. Chegados a São João do Campo, depois de São Bento da Porta Aberta, seguimos pela estrada florestal até ao cimo, e aí deixamos o carro, e a pé, descemos até à freguesia pois o caminho era de “cabras”.
Chegados ao fundão em que se situava Vilarinho, indagou o empreiteiro quem teria já sido abordado para o negócio das “eléctricas, assim chamavam. Lugar no fim do mundo, onde apenas havia quase que só a notar luzes da civilização, a Igreja, a Escola e o Posto da Guarda Fiscal, únicos cobertos a telha. As restantes casas, bastantes, eram quase todos cobertos a colmo e o muitos dos arruados eram aéreos, isto é de casa para casa transitava-se por lages sem molhar os pés. Aldeia comunitária tinha os seus costumes, as suas tradições, o seu modo de vestir, as mulheres, por exemplo, usavam a capa, espécie de saia, pelas costas e para as proteger do frio e dos espinhos do mato, nas pernas meias de lã, mas só parte cimeira, pois os pés estavam protegidos pelos tamancos.
Perante esta ruralidade, fiquei espantado ao ver surgir entre aquela gente, feliz no seu viver, uma linda e novinha moça, na qual os modos da civilização citadina eram assinaláveis –“baton” nos lábios, cabelos penteados e cortados, vestido vistoso, sapatos modernos – coisas que destoavam entre as mulheres do lugar, quase todas vestidas de negro.
Não me contendo, dirigi-lhe a palavra e vim a saber que era a professora da aldeia e, então entramos à fala :
-: A menina, professora deste lugar, como veio parar aqui, a um lugar que, por certo, não estava habituada ? Onde estudou, foi em Braga ? E então saindo de Braga, uma terra muito diferente deste meio, como se adaptou ?
-: Olhe, eu sou daqui. Os meus pais sempre moraram em Vilarinho e aqui nasci.
-: Mas então acha que em Vilarinho, neste fim do mundo, onde não encontrará rapaz que “sirva para o seu pé”. (notem não estava a fazer-lhe namoro ). Não pensa casar ?
-: À, isso penso. E espero que pode aparecer por aí, um Guarda Fiscal jeitoso!...